terça-feira, 17 de junho de 2008

Diante de uma criança

Como fazer feliz meu filho?

Não há receitas para tal.

Todo o saber, todo o meu brilho

de vaidosa intelectual

vacila ante a interrogação

gravada em mim, impressa no ar.

Bola, bombons, patinação

talvez bastem para encantar?

Imprevistas, fartas mesadas,

louvores, prêmios, complacências,

milhões de coisas desejadas,

concedidas sem reticências?

Liberdade alheia a limites,

perdão de erros, sem julgamento,

e dizer-lhe que estamos quites,

conforme a lei do esquecimento?

Submeter-se à sua vontade

sem ponderar, sem discutir?

Dar-lhe tudo aquilo que há

de entontecer um grão-vizir?

E se depois de tanto mimo

que o atraia, ele se sente

pobre, sem paz e sem arrimo,

alma vazia, amargamente?

Não é feliz. Mas que fazer

para consolo desta criança?

Como em seu íntimo acender

uma fagulha de confiança?

Eis que acode meu coração

e oferece, como uma flor,

a doçura desta lição:

dar a meu filho meu amor.

Pois o amor resgata a pobreza,
vence o tédio, ilumina o dia
e instaura em nossa natureza
a imperecível alegria.


Carlos Drummond de Andrade - 1996. "Farewell".

Nenhum comentário: